segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Hilda quente, Hist fria

Hida Hilst
É encantador como os textos literários trazem recordações, sentimentos e até sensações fisiológicas conforme seu desenrolar. Lygia Bojunga, Pedro Bandeira e Walcyr Carrasco trazem recordações. Lygia com seus contos melancólicos, Pedro sempre aventureiro e Walcyr com seus personagens inesquecíveis. Cada um toca em um ponto diferente. Adélia Prado, Florbela Espanca e Green fazem-nos sentir. Adélia com sua pureza que beira a santidade, Florbela com seu drama que beira o suicídio (dela e nosso) e Green com a doçura que nos deixa diabáticos.

Agora, sensações fisiológicas são bem complicadas. Os três que me levaram a sensações desagradáveis foram Patrick Süskind (O perfume), Dave Pelzer (Uma criança no inferno) e Hilda Hilst. O perfume é um romance tão bem contado, escrito e descrito, que sempre que lia o que Jean-Baptiste Grenouille sentia "olfativamente", eu também sentia. Como é passado na França, no século 18 - e sabemos que França remete-nos à lembrança de perfumes fortes, e nesta data, odores ainda mais fortes - a sensação do cheiro de peixe podre, assim como o cheiro característico de bebês pode ser sentido somente pela descrição do autor. Dave Pelzer com seu livro que já resenhei aqui, traz a sensação também de enjoo pelos fatos narrados. Sua mãe, ao esfregar uma fralda suja em seu rosto, dá-nos de presente uma forte ânsia de vômito.

Já Hilda Hilst... Bem, para quem não a conhece, apresento de forma rápida. Ela é uma senhora que escrevia (faleceu em 2004) livros pornográficos. Que coisa - pensei eu, ao ler o segundo livro -, ela realmente escreve pornografia. O primeiro livro que li (chamado "Cartas de um sedutor" foi por indicação. Já havia ouvido falar dela várias vezes, principalmente quando ocorreu o boom do Cinquenta tons. Sua escrita, claro, prende qualquer leitor pois é ago - sem trocadilhos - prazeroso de ser lido. Ela escreve bem, sim. Com falas regionalistas, com termos cotidianos, e é direta, sem rodeios. Porém, o segundo livro que peguei (ou melhor, baixei), O caderno rosa de Lori Lamby, é um livro baixo. Para não dizer podre. Não consegui terminar de ler. Passei mal. Acredito que não seja frescura de minha parte. Veja só: conta a história de uma menina, Lori, que era abusada por homens que a mãe "contratava" (ou os homens que a contratavam, tanto faz) para ter relações com sua filha e com isso, conseguir dinheiro. E o pior: a história é contada em primeira pessoa. Sim, mesclando linguagem infantil e adulta, Hilda conta a tristíssima realidade de muitas crianças. Um livro forte, onde a forma que a situação é tratada se transforma em situação tão comum, que senti socos no estômago. Hilda é para os fortes. E não só para os fortes, mas para os frios.

Jurei a mim mesma nunca mais ler Hilst. Não pela sua escrita, mas por sua frieza. A vida é fria e crua o suficiente. Para a mim, a literatura deveria ser uma válvula de escape. Claro, a fantasia não existe. A vida real existe. Porém, meu estômago é fraco. E não gosto de levar tapas na cara de realidade, com as palavras tristes de uma menina de oito anos.

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