Natascha Kampusch era um a garota gordinha de dez anos de idade. A mãe sempre a levava na escola. Mas ela queria conquistar sua "liberdade" de ir sozinha.
Sempre assistia aos noticiários e via garotas sendo sequestradas. Geralmente eram belas, loiras, mocinhas. Por ser uma criança, gordinha e - imaginava ela - alguém que nunca ninguém iria reparar, estava fora de perigo. Porém tudo aconteceu naquele dia em que conquistou sua liberdade. Saiu de casa sem se despedir direito da mãe. Seguiu o caminho da escola sozinha, sem imaginar o que estava prestes a acontecer.
Autoridades austríacas investigam o desaparecimento de uma menina de 10 anos, Natascha Kampusch. A menina foi vista pela última vez em 2 de março. O caminho até a escola, no qual ela foi vista, é relativamente longo. Supostamente, uma menina de casaco vermelho foi atraída para uma caminhonete branca.
Casos de polícia, 27 de março de 1998
Natascha foi pega por Wolfgang Priklopil e atirada em uma vam. No meio do caminho foi sincero com ela: dizia que iriam para Strasshof (município da Áustria), e realmente foram para lá. Ele tinha uma casa com um grande quintal, dois andares. E um porão. Foi onde ela iria passar os próximos oito anos de sua vida.
Priklopil tinha extremo poder sobre ela. Afetava sua mente, dizia que seus pais não estavam procurando por ela, e que não a amavam. Não deixava que ela ouvisse rádio ou visse televisão - para que acreditasse em toda sua louca história. Afinal, os meios de comunicação alertavam sobre o sequestro da menina Natascha.
Havia pouca comida para ela. E ele a tratava como um animal de estimação: se fizesse tudo conforme ele queria, ela ganhava um pouco de comida, ou livros, ou alguma roupa que queria.
Mas, emocionalmente, eu não sentia nada. O único sentimento que eu não era capaz de evitar era o medo mortal que tomava conta de mim nessas horas. Ele penetrava em minha mente - a vista escurecia, os ouvidos zumbiam e a adrenalina era liberada - e ordenava: Fuja! Mas eu não podia. A prisão, que no início era apenas do lado de fora, agora me mantinha encarcerada por dentro também.
O sequestrador manteve uma rotina e era sempre muito metódico. Ao fazer com que Natascha o servisse em algum serviço doméstico, e por exemplo, perdia um fio de cabelo, ele logo queimava este fio, com medo que algum dia policiais invadissem sua casa e se dessem conta de que algo estava errado. Exigia dela palavras de uma escrava. Mandava que ela dissesse coisas absurdas, somente para que provasse que quem mandava ali era ele.
Era absurdo que Priklopil, cuja posição de poder era óbvia, fosse tão dependente de demonstrações verbais de humildade.
Durante sua narrativa, Kampusch, por várias vezes fala do sequestrador com certo "carinho" - desculpem, não encontrei melhor palavra para definir. Como ela mesma diz, ao conviver durante anos somente com uma pessoa, e mesmo que esta pessoa esteja te fazendo um mal, você faz de tudo para que a pessoa se sinta bem. Sua vida está nas mãos daquela pessoa. Ela, mesmo criança, tinha plena consciência de que seu sequestrador não era apenas um sequestrador, mas um completo maluco. Ela tinha pena dele. Ela o tratava muitas vezes como a vítima da história.
Mas não se pode viver para sempre em um pesadelo. Nós, seres humanos, temos a capacidade de criar a aparência de normalidade mesmo nas circunstâncias mais anormais, para não enlouquecer - para sobreviver.
Em certo ponto do livro ela cita uma doença chamada Síndrome de Estocolmo.
Por isso, recuso veementemente ser classificada como vítima da síndrome de Estocolmo. A expressão surgiu depois de um assalto a banco em Estocolmo, em 1973. Os ladrões mantiveram quatro funcionários reféns durante cinco dias. Para a surpresa dos meios de comunicação, uma vez libertados, os reféns tinham mais medo da polícia que dos ladrões - e tinham desenvolvido uma compreensão dos criminosos. Algumas das vítimas pediram clemência para os ladrões e os visitaram na prisão. A opinião pública não compreendia a "simpatia" que elas demonstravam em relação aos criminosos e transformou o comportamento das vítimas em uma patologia. O achado: a compaixão pelo criminoso denotava uma doença. E a recém criada doença foi chamada, desde então, de síndrome de Estocolmo.
Afirma que não possui essa Síndrome. Afinal, como já disse, sua vida estava nas mãos do sequestrador. Não é uma simpatia. É um modo de sobrevivência. Mesmo depois de conseguir escapar de seu cativeiro, ainda manteve-se "preocupada" com o sequestrador. Ela sabia que um dos dois iria morrer. Como não foi ela, tinha a certeza de que ele iria cometer suicídio. E todo esse sentimento era medo. De que ele fosse novamente atrás dela. De que ele cometesse alguma loucura e matasse outras pessoas.
No início, ele não a batia. Depois de um tempo, começou a espancá-la. Por coisas que ela fazia, ou por coisas que ela deixava de fazer. Descreve várias partes de seu diário. E é aí que o livro chega a ser mais chocante. Nós, que nunca vivemos na pele tudo isso, não conseguimos compreender a dor física e emocional que é gerada, depois de tantos assédios à mente e ao corpo.
Socos e pontapés, estrangulamento, arranhões, contusão e esmagamento do punho, espremido no batente da porta. Atingida por um martelo (pesado) e socos no estômago. Hematomas: no quadril (lado direito); antebraço (5x1 cm) e braço (cerca de 3,5 cm de diâmetro) direitos; nas coxas esquerda e direita, no lado externo (esquerda: 9-10 cm de comprimento, coloração de preta profunda a arroxeada, cerca de 4 cm de largura), assim como nos dois ombros. Lesões e arranhões em ambas as coxas e na panturrilha esquerda.
Trecho do diário, janeiro de 2006
Bem, demorei bastante para ler este livro (cerca de seis meses). Li no computador, e para mim sempre é cansativo ler na tela. Esta história, desde o início me chocou bastante. Eu tomava fôlego para continuar. Eu ficava pensando que, como um livro muito pesado, eu realmente não deveria ler tudo de uma só vez. A força de Natascha me impressiona. Não tenho muito para comentar sobre o livro. O sentimento é de desespero, é de humilhação. Mas acima de tudo, a garota deixa uma mensagem de perdão. Não acredito que seja um perdão hipócrita, pois seu sequestrador já morreu. Mas um perdão verdadeiro. Algo incompreensível a nós. É uma história que nos faz pensar, e sempre agradecer pelo dom da vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário