Dormia
silenciosa. Sonhava. E como costumava dizer ao marido, “pesadelava”.
Ultimamente estava tendo diversos pesadelos todas as noites. Não
sabia o porquê, pois vivia dias felizes com o marido e os filhos.
Sabia mentir a si muito bem. Não se achava sincera consigo mesma e
com seus sentimentos. O que sentia pelos outros sabia transmitir da
melhor forma e isso sim era sincero. Mas o que sentia por si, não
sabia como tirar de sua mente e coração. Talvez por isso os
pesadelos constantes.
Acordara
suando e com lágrimas nos olhos. No pesadelo, o marido a havia
traído com uma garota que no sonho era sua vizinha. Falara até
mesmo o nome dela. Joana. Criara ódio pelo nome, mesmo não sabendo
de quem se tratava. Mesmo sabendo que era tudo um sonho. Um pesadelo
dos piores. Não conseguia voltar a dormir, com medo de a garota
Joana voltar para seus profundos mistérios.
Resolveu
sair da cama e dar uma volta na casa. Encontra seu filho mais
novinho, o bebê, o seu bebê sonhando tranquilo. Teve vontade de
abraçá-lo e sentir seu cheirinho de pessoinha nova. Mas não entra
em seu quarto com medo de acordá-lo e ter de ficar acordada de
propósito a noite toda. E o que seria pior. Acordar o outro filho,
que mesmo não muito bebê, ainda chorava de vez em quando. Fica na
porta observando o pedacinho de gente e tranquiliza-se. Quer tentar
voltar a dormir.
Entra
em seu quarto e seu marido ainda dorme cansado. Teve um dia cheio,
ela sabia e por isso não acordava para contar-lhe o pesadelo ou
tirar satisfações de coisas que ele nem sabia. Deita-se de costas
para ele, pois como era seu costume, só conseguia dormir virada do
lado direito. E aquele dia ele dormira em seu lugar.
Amanhece
e com seus sonhos ainda não tão bons, ela sente que seu marido não
está mais na cama. Não se vira, não fala, não abre os olhos e nem
sente cheiro, mas sente a ausência. Com alguns anos de casamento e
tantos anos de namoro, sabia quando ele estava ao seu lado ou não.
Mesmo sem perguntar, mesmo sem apalpar o lado da cama. Simplesmente
sabia. E não sabia por que sabia. Era instinto feminino, pensava
ela. Abre os olhos e aguça seus cinco ou seis sentidos. Vira-se e vê
que seu marido já não estava mesmo na cama ao seu lado. Olha no
relógio e já são 8h30min. Atrasada. Não para o trabalho, pois
aquele dia era meio período. Atrasada para fazer o café do marido e
cuidar dos filhos e casa. Porque o marido não a acordou?
Levanta-se
e vai até a cozinha. O café está na mesa e o marido já não se
encontra. Já havia ido ao trabalho. Vai até o quarto dos filhos e
eles ainda dormem. Como criança dorme. Dorme e não cansa, pensa.
E
naquela hora sente a dor que frequentemente sente e não conta a
ninguém. Não era uma dor de cólica, dor de ouvido, dor de dente,
nem dor de nada externo. Era dor perto do coração, dor abaixo do
peito, dor num lugar que ela não sabia onde. Mas doía mais que
qualquer dor que sentia no corpo externo. Era uma dor na alma talvez.
Era uma dor talvez de espírito. Vai ver meu espírito está me
deixando, refletiu. E riu. O espírito não deixa a pessoa. Se o
espírito deixa alguém, esse alguém morre. E ficou séria. E se eu
morrer? E se isso for um aviso de que meu fim está próximo? E se
isso for outro sentimento, um mau pressentimento? Sempre tinha maus
pressentimentos. Passava mal o dia todo. Era uma agonia que a possuía
e sempre que acontecia isso, ela já esperava o pior. E seu for meu
marido? Possuía uma relação tão íntima e tão deles, que se
estivesse acontecendo algo com ele, ela sabia que não estava bem. E
ele nem precisava estar perto dela para que ela sentisse. Sentiu medo
de perdê-lo. Perdê-lo como no sonho. Perdê-lo para uma meninazinha
qualquer.
Voltou
ao quarto dos filhos depois de dar uma volta na casa para ver se não
achava mesmo o marido em qualquer cantinho da casa brincando de
esconde-esconde. O menor já havia acordado e pedia leite.
Choramingava baixinho, talvez para não acordar o irmão. Foi até o
filho e o deitou em seu colo. Conversou um pouco como de costume e
deu seu peito para ele beber de seu alimento. Preferiu somente
naquele momento esquecer as coisas ruins. Podia passar para o bebê
pelo seu leite. A criança podia, por culpa dela, crescer
constrangida ou triste ou estranho dos outros.
Logo
seu outro filho mais velho já levantara e dizia-se com fome. Foi até
a cozinha exercer seu papel de cozinheira-mãe. Logo levava os dois
para a creche e ia ao trabalho. Trabalhava num hospital contando
histórias para as crianças doentes. Talvez com suas histórias elas
ficassem mais animadas e menos doentes. Aquele ambiente era propício
para sua doença, pensou de novo. Mas achou que era bobagem, pois
como que iríamos transmitir uma dor de coração ou um mau
pressentimento ao outro? Não havia como. Mesmo não sendo formada em
Medicina, mas em Letras, pensava assim. Doença interior não é
transmissiva.
Com
emoção, como sempre, contara as histórias para as crianças que já
adotara como filhos. Seus olhinhos brilhavam sempre, mesmo sendo as
mesmas histórias. Mas a cada novo jeito de contar, para elas era
diferente. Sempre era diferente. E talvez fosse por isso que estavam
se recuperando tão depressa.
Chegara
em casa e seu marido já estava em processo de sonolência. Deitado
no sofá, pescava, como costumavam dizer brincando. Chamara para ir
deitar-se na cama. Depois de jantar e tomar seu banho, foi-se deitar
também. Sentiu outra vez a dor. Mas dessa vez mais forte. Deu um
recuo e ele percebeu. Perguntava o que é que está acontecendo meu
amor? Mas ela não dizia. Não queria que ele se preocupasse mais uma
vez com ela. É besteira minha, amor. Cólicas eu acho. Só senti uma
fisgada, mas já estou bem. Virara-se para dormir e ele a abraçava
forte. Sentia-se protegida e segura de qualquer Joana. Sentia que
aquela noite não teria pesadelos. Sentia que sonharia até mesmo com
anjos.
O
sono não chegava e pela respiração de seu marido e menor força em
seu abraço, sentia que ele já havia dormido. Como sempre, antes que
ela. Ela já estava começando a “pescar”, mas percebeu uma luz
no outro quarto. O quarto de brinquedo das crianças. Com cuidado e
silêncio largou-se do abraço do marido e foi até a luz na ponta
dos pés. Quase chegando, sentiu a pontada em seu peito como nunca
havia sentido e sentou-se no chão, arrastando-se pelas paredes. Mas
a segurança de seus filhos era mais importante e buscou forças
nisso. Apalpando as paredes, foi até o quarto. Teve de tampar os
olhos, pois a luz era muito forte. Não sabia o que se encontrava ali
em sua frente, mas era belo. Via asas ao seu redor e sentia um cheiro
familiar, não sabendo ainda o qual.
Sentiu
uma vontade louca de chamar o marido para mostrar-lhe o descoberto.
Mas ele estava cansado como no dia anterior e como em todos os dias.
Queria chamar as crianças para ver a luz bonita, o vaga-lume
gigante. Mas elas poderiam se assustar. Ficou sozinha e a luz começou
a apagar, mas não por inteiro.
Enfraqueceu-se.
Ainda escutara o marido a chamando pelo nome para voltar para cama e
dormir. Escutou seus passos no quartinho e queria abraçá-lo e
contar sobre seu sonho da noite anterior e contar o mau
pressentimento que estava sentindo. Que ele tomasse cuidado e
cuidasse das crianças.
Mas
não deu tempo.
Quando
seu marido abaixou-se para ajudá-la, a luz sumiu e seu espírito
foi-se embora.
(Escrito em 16/02/09)
(Desculpe-me pelos erros de português)
Nossa!! Bem intenso e emocionante, de certa forma!!
ResponderExcluirGostei muito do texto. Parabéns!!
Beijos
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Obrigada Helena! Muito bom receber comentários tão carinhosos =)
ExcluirBeijos
Volte sempre ;)